Avante para o passado!



Quarta-feira, 30 de Maio de 2012.


Perfil de Gomez, com seu bigodinho de cafajeste e terno risca de giz, enlaçando Mortícia que veste preto, com seus longos cabelos negros e que segura entre ambos o cabo de uma rosa com seus espinhos e folhas, como que uma barreira para seus olhares apaixonados e bocas sedentas.
 
Todo mundo que se aprofunda no acompanhamento de pessoas vivendo com HIV sabe que é muito comum, entre parceiros de sorologias discordantes para o HIV, aquele que não tem o vírus insistir em transar sem camisinha com o objetivo de conversão em HIV+, para que a relação fique em pé de igualdade. Como uma demonstração de amor digna de Gomez Addams a sua amada Mortícia, é ofertada a própria saúde como prova inconteste de amor.
 
Ocorre que, quando amamos, não conseguimos enxergar o final da relação. Só temos a ilusão de que envelheceremos lindos, juntos, felizes e sexualmente ativos, até que termina. E, em boa parte das separações, elas não acontecem de forma consensual e amistosa, são litigiosas e muitas vezes rancorosas e vingativas. Nesse contexto, como citado na notícia abaixo, qual Magistrado pode dizer o que acontece entre quatro paredes? Quem garante que, nesse caso em especial, ela não teria sido uma dessas pessoas que fez o tal ritual de soro conversão e, tomada pelo rancor, voltou suas baterias para o ponto fraco do ex companheiro ou companheira: a sorologia para o HIV.
 
Mais uma vez o preconceito como o principal aliado do HIV na tentativa de deterioração da qualidade de vida do ser humano. Continua me impressionando muito a capacidade dessa epidemia se multifacetar e atingir as pessoas podendo levá-las, inclusive, para a cadeia. Não por adultério, não por agressão. Mas por ter transado sem camisinha em uma relação de amor, ainda que macabra, mas consensuada como amor.
 
Claro que pretendo apenas colocar o outro lado da história, porque da sociedade como um todo já parte uma série de argumentos para jogar qualquer pessoa com HIV envolvida em algum caso de transmissão entre parceiros na cadeia junto com ladrões, assassinos, traficantes e estupradores. Acho, sim, que deva existir criminalização prevista no Código Penal para casos flagrantes onde a transmissão tenha sido uma forma de ataque ou envolta em mentiras e artimanhas. Mas querer condenar toda e qualquer transmissão é mais uma forma de discriminar a pessoa vivendo com HIV e fortalecer o estigma de que somos párias e que assim devemos ser tratados.
 
E isso não é difícil de acontecer, somos uma sociedade que quase apedrejou uma estudante universitária por causa de sua mini saia, como se nunca tivesse existido Brigitte Bardot e Leila Diniz. 
 
Avante para o passado!
 
Beto Volpe